

DIÁLOGO COM O POEMA
Poesia, és o meu ópio.
Em ti me entorpeço,
Me mereço, me excedo,
Resmungando coisas de que tenho medo,
Inventando símbolos que nunca existiram,
Transpondo limites da minha condição.
Poesia, és minha perdição.
Em ti sou rendido,
Me agrido, me nego perdão,
Confessando bichos do fundo da alma,
Visitando infernos ao redor
Do meu paraíso que pincelo débil.
Poesia, és o meu ardil.
Em ti me guarneço,
Fora de ti sou fraco, feio, frio,
Sem esperanças, sem quintessências.
Desço ao túmulo da dura existência
Até que desperte o canto de Cecília.
Poesia, és o meu testamento.
Em ti me confesso,
Me ensoberbeço, me perpetuo
Nas construções patéticas, assintáticas, herméticas,
Onde reina meu verbo e bebo do meu sangue
Desperdiçado ao longo da minha oração.
Poesia, és o meu ópio.
Em ti me entorpeço,
Me mereço, me excedo,
Resmungando coisas de que tenho medo,
Inventando símbolos que nunca existiram,
Transpondo limites da minha condição.
Poesia, és minha perdição.
Em ti sou rendido,
Me agrido, me nego perdão,
Confessando bichos do fundo da alma,
Visitando infernos ao redor
Do meu paraíso que pincelo débil.
Poesia, és o meu ardil.
Em ti me guarneço,
Fora de ti sou fraco, feio, frio,
Sem esperanças, sem quintessências.
Desço ao túmulo da dura existência
Até que desperte o canto de Cecília.
Poesia, és o meu testamento.
Em ti me confesso,
Me ensoberbeço, me perpetuo
Nas construções patéticas, assintáticas, herméticas,
Onde reina meu verbo e bebo do meu sangue
Desperdiçado ao longo da minha oração.
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II
Meus poemas são intervalos
Entre uma dor e outra
No instante em que me deparo
Com tantas chagas abertas
E me comparo com os outros
Vermes fugindo do esgoto.
Me firo, paro, me inspiro
E em versos me readquiro
Senhor dos trovões e do vento.
Tudo que a alguns instantes
Era inferno absoluto
Não passa agora de lamento
Apreciado por minhas mãos
Correndo papel à fora.
A vida brotando da dor
Que pensava ser a vida
Mas não era vida, era dor
E fez-se vida ao revelar-se
Nas minhas freqüentes insônias.
Eis o mal remediado
Na eternidade da escrita.
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III
Não era desta forma
Que eu queria te compor,
Poema que agora foge,
Talvez fosse mais sentido
E um pouco mais erudito.
Não tão assim sem nexo
Sem sexo sem eixo
Sem rima e remelexo.
Tento te escrever
Enquanto me disperso
E o guarda perambula rondando a rua
E máquinas trabalham na impressão do jornal
E máquinas trabalham na fabricação do pão
E eu, homem, não sou máquina,
Não consigo te compor
Pois luto com o sono
E a máquina de escrever
E imagens varam a noite me perseguindo.
Mas dorme em paz, meu poema,
Que amanhã eu te desperto.
Talvez até esqueça que queria te compor
E os mesmos vocábulos não me permitam mais
Te escrever novamente
E deixo para outro dia.
Assim vou te adiando até me esquecer
Que Deus me fez poeta
E estou entregue às traças.
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IV
Não me interrompa, poema,
Devido aos gritos na noite.
Não paro porque o cigarro
Me chama ao último trago.
Não paro para celebrar-te,
Não paro para suicidar-me.
Não paro, não paro,
Não paro. Persisto mais
No feito das palavras.
Não mate o seu estrambote
Com golpes da mão inútil
Que quer manusear outras coisas
Que não seja tua pena.
Enquanto a música toca
O poema se desloca
Rua abaixo, mundo à fora.
Capto-o com precisão
Sem dar trégua à minha luta,
Sem distrair-me com as mulheres
Que passam por minha janela,
Sem permitir que o sono
Fale mais alto que o Dom.
Dom down, Dom down.
Mas não me proíbas, poema,
De concluir teu destino.
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V
As palavras surgem
Em forma de lampejo.
Um termo é um relâmpago
Um verso é um clarão
E de poesia em punho
Eis o rei do trovão.
As palavras agonizam
No silêncio do olhar
Que tudo sabe, tudo vê,
Que tudo crê
Mas não materializa
Sua linguagem exercida.
Palavra não escrita
É palavra sem vida.
Que não nos ameace
Este silêncio amargo
De ter o que dizer
Sem encontrar palavras.
Nossa palavra muda,
Nosso poder castrado.
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VI
Estou sempre revendo crases
Sem saber o porquê
Estou sempre rescrevendo verbos
Sem saber pra quê
Estou sempre visitando o Aurélio
Sem saber por quê.
Mas a poesia
Brota todavia
Tal qual flor estúpida
Bela e derradeira
A cada novo dia.
E de hipérboles e metáforas,
Centomatopéias,
(Valei-me, Dorotéia!)
Vou me dando armas,
Discursos e calma
Na luta contra o vento.
Na luta com as palavras
Lavradas, vãs,
Saúdo as manhãs
E desperto as madrugadas
Sem saber que fujo
Do meu poema cujo
(Ou seria sujo?)
Único objetivo
É manter-me vivo.
Enquanto exploro a língua
Beijando a poesia,
Sobrevivo à míngua
Sem dinheiro pra vela
Que ilumina meu breu,
Sem vela pra navegar
Pelo mar Egeu.
Não sei se na verdade
Preciso navegar
Ou desvendar o mar
Na mão côncava
Sobre o meu ouvido,
Nos pungentes gemidos
Dos mortos nas enchentes.
Estou sempre conversando
Com os aedos idos
E doravante outros vates
Conversarão comigo.
E por que
Os porquês?
Porque
O verbo
A crase
Quase
Não farão sentido.
(BELLMOND, David. VIDA VIDE VERSO. Editora do autor: Vitória-ES, 1999, Páginas 73 a 78.)
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