POEMA EXTRAÍDO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL
Eram dois vizinhos que mal se olhavam.
Antes da amizade tornaram-se amantes.
Cotidianamente, sorrateiramente,
Amavam-se cegos, sempre e bastante.
Ela, recalcada; ele, possessivo.
Ela era casada; ele, professor.
O marido, homem calado e decente,
Suspeitoso dos perigos do amor,
Pediu à esposa em ímpar descrição,
Aquela Capitu entregue aos cafezais,
Que Virgília fosse com cara de Amélia,
Messalina seja sem se dar demais.
Depois se diria à boca miúda
Que, além do amante e do zeloso esposo,
Deveria haver um terceiro afeto
A presentear-lhe anéis e mais gozo.
Foi o que disseram testemunhas tantas
Aos policiais quando nefasto Eros
Armou-se de pedras, faca e combustível,
Cansado talvez de ser simples arqueiro.
Implorando um basta àquela vida dupla,
Ela quis findar a traição permitida.
E ele não aceitou ser o descartado.
Se alguém vai ceder, que seja o marido.
Ela, com a mesma dissimulação
Com que convencia o esposo permissivo,
Fez o amante crer que faria o outro
Dar fim ao matrimônio estável e lascivo.
Brindaram com risos e vinho barato
À paixão que agora era amor eterno.
Ele desejoso de levá-la ao céu,
Ela desejando conduzi-lo ao inferno.
E entregou-se toda pela última vez,
Após deu-lhe vinho com lexotan
E ele caiu frágil num canto da sala
E ela gargalhava, fútil cortesã.
Abriu-lhe o crânio com uma pedra aguda
E furou-lhe o peito que há pouco amara,
Alargou-lhe a boca com lâmina cega,
Incendiou o amado sem usar metáforas.
Arrastou o corpo para a noite escura
E a cada gemido do defunto amante
Ela com a faca já ensangüentada
Talhava-lhe o pescoço vociferante:
Eu não te avisei que o desejo acabou?
Por que não me ouviu sem usar artimanha?
Já que você não quer mais sair de mim
Eu extirpei você das minhas entranhas.
E o corpo sepultou numa cova rasa
Feita às pressas naquele cafezal
E ela confessou fria à polícia
Que apenas fora um rito de amor banal.
(David Bellmond / 26.09.08)
sexta-feira, 12 de junho de 2009
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